O papel da nutrição deve ser considerado desde o início da vida

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Reconhecer a importância da nutrição é uma obviedade que nem precisa ser dada aos especialistas. Contudo, para os nutricionistas, entender os mecanismos relacionados ao estado nutricional se faz necessário por ajudar a nortear decisões clínicas. Especialmente, reconhecer que desde a implantação do embrião, o estado nutricional materno pode interferir nas decisões de diferenciação celular e, portanto, “programar” órgãos e tecidos de maneira duradoura faz com que tenhamos urgência em apresentar essas evidências aos nutricionistas.  Certamente, poderia ir além, já que quando estamos falando em programação o estado de saúde materno e paterno pré-concepção já pode influenciar o desenvolvimento fetal. Porém, vamos discutir hoje sobre o período pós concepção e as evidências do estado nutricional no período de vida intrauterino.

As primeiras evidências epidemiológicas sobre a importância da nutrição materna não só relacionada a neomortalidade ocorreu na década de 80, quando um pesquisador chamado David Barker estudou os dados de saúde dos filhos de mulheres que sofreram privação de alimentos durante a 2ª Guerra Mundial. Devido ao embargo de cargas de alimentos imposto pelos nazistas, parte da população holandesa teve que viver uma intensa restrição calórica. Dentre esses indivíduos, mulheres grávidas, em diferentes períodos gestacionais, vivenciaram essa dura realidade imposta. Dessa forma, David Barker e seus colaboradores observaram que os filhos dessas mulheres tinham maior risco para doenças metabólicas e psiquiátricas. Esses dados foram então, um divisor de águas para a obstetrícia e medicina fetal e colocou o estado nutricional em evidência como uma variável ambiental capaz de programar a saúde em fases posteriores da vida. Desde então, uma série de outros trabalhos têm sido realizados. Sabemos, portanto, que tanto o ganho de peso acima do esperado como a desnutrição são fatores de risco para desfechos desfavoráveis à prole. E, mais importante, uma série de micronutrientes são fundamentais para que o organismo atinja seu potencial de desenvolvimento. Ainda há muito a ser compreendido concernente às vias de resposta que afetam a “programação” fenotípica em decorrência a estímulos ambientais, entretanto, alguns mecanismos têm sido propostos nesse sentido.

O avanço de tecnologias de última geração permitiu entender como nem sempre a genética é destino, mas que existem formas que mesmo sem alteração do DNA um fenótipo pode ser alterado. Um desses mecanismos é por intermédio da epigenética, que são mecanismos moleculares que alteram a cromatina e interferem na expressão gênica, permitindo assim, mudanças no fenótipo, sem alteração do genótipo. Desse modo, as modificações de histonas, metilação do DNA, e ação dos microRNA englobam os mecanismos epigenéticos.

Hoje, o que podemos entender é que não é apenas a sequência do seu DNA que importa, mas, como o código é lido e interpretado. Em uma analogia à ortografia, marcas epigenéticas poderiam ser a pontuação da sentença, definindo se um gene será lido ou não (ativo/silenciado). E tendo entendido que existe um mecanismo molecular que pode não necessariamente depende em sua totalidade para o aparecimento de doenças, é importante reconhecer que a alimentação é um importante fator de doação de grupos metil (folhosos verdes escuros, por exemplo), sendo assim, fundamental nessa complexa maquinaria molecular. Vale ressaltar, que tantos outros fatores devem ser considerados durante o atendimento nutricional, como o nível de estresse, exposição a tóxicos e até mesmo infecções virais, por serem também fatores ambientais que estão associados ao risco de desenvolvimento de doenças ao longo da vida.

Referências:

Barker DJ, Martyn CN. The maternal and fetal origins of cardiovascular disease. J Epidemiol Community Health [Internet]. 1992 Feb;46(1):8–11. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1573367

Goldstein JA, Norris SA, Aronoff DM. DOHaD at the intersection of maternal immuneactivation and maternal metabolic stress: a scoping review. J Dev Orig Health Dis[Internet]. 2017 Jun 15;8(03):273–83.

al-Haddad BJS, Oler E, Armistead B, Elsayed NA, Weinberger DR, Bernier R, et al.The fetal origins of mental illness [Internet]. Vol. 221, American Journal of Obstetricsand Gynecology. Mosby Inc.; 2019. p. 549–62. Available from:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31207234/

Messerschmidt DM, Knowles BB, Solter D. DNA methylation dynamics during epigenetic reprogramming in the germline and preimplantation embryos [Internet]. Vol.28, Genes and Development. Cold Spring Harbor Laboratory Press; 2014

Por: Drª. Verônica Euclydes (Nutricionista)